sexta-feira, 23 de março de 2012

Crítica Social

Entre Bundas e
Ossos Quebrados


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Corpo de mulher é massinha de modelar, é peça de reposição, é um buraco em que se jogam esperma, lixo, vergonha, saliva, massacre. Mulher nunca é um inteiro, é uma metonímia, é peito, bunda, vagina, é pedaços de carne, está no açougue em que o freguês decide onde quer mais gordura, mais músculos, menos pele, mais ossos. Como não dá para costurar todas essas partes, vai-se cortando um pedaço de animais diferentes. Veja as novelas, os realities, os programinhas de entretenimento. Bundas, peitos, pernas de mulheres que se expõem para alcançar melhor preço. Mulheres fazendo ensaios sensuais para divulgarem outras carreiras que exercem: atriz, cantora, ou apenas isso mesmo, carne siliconada. Se a mídia é abusiva, quem a consome também é. Porque mulher colocada perto de um produto, vende mais. Vende carro, sabão em pó, material de construção... É que a mulher agrega valor ao produto ao animar e acariciar os desejos masculinos, ela também fica à venda. "Ah, mas as mulheres também compram esses produtos". É porque elas também já são vendidas.

Venderam sua autonomia em função de estar em um relacionamento a qualquer preço, venderam sua sexualidade para um show em uma arena chamada "agradar o parceiro", venderam sua intelectualidade a um corpo inanimado. Eu presenciei juízas devolvendo roupas em lojas porque o marido não gostou, eu presenciei engenheiras escurecendo o cabelo porque o marido não queria que ela ficasse com cabelo de "puta", eu presenciei professoras dando aulas com óculos escuros porque haviam apanhado na noite anterior, perdi amigas, alunas, mortas por pais, namorados, companheiros que possuíam o certificado de propriedade co corpo delas. Isso existe na sua casa, na minha, na de todos. Não é coisa de pobre, de favelada que gosta de apanhar, que não sai dessa porque não quer. tente levantar sozinho uma estante que pesa duzentos quilos. Tente, é só ter força de vontade. Consegue? Não. Nem tudo depende apenas de nossa coragem.

Assim é com a violência contra a mulher. Muitas nem se dão conta de que o que sofrem está errado. Foram criadas para aceitar o comando, obedecer, ser de um homem só, carregar a cruz que Deus lhes enviou. E sabem que se fugirem dessa situação, serão facilmente mortas. Você que é mulher, tem irmã, mãe, tia amiga, prima e não está nem aí com as notícias de mulheres assassinadas, agredidas, violentadas em todos os seus direitos, está segura, está tranquila. Não fique. Um namorado carinhoso, ciumento porque te ama muito, pode bem ser alguém que vai te aprisionar nesse ciclo de violência e morte. E você perdoará aquela ofensa, aquele soco, porque ele vai te pedir perdão e será bom até o próximo episódio. Sua amiga estará andando na rua e ouvirá gracinhas de policiais. Sua irmã perderá o cargo que pleiteava porque um homem tem mais poder de decisão. Não é praga. É fato.

E por que as mulheres que sofrem com essas situações simplesmente não se levantam e vão embora? Porque o Estado não as protege, porque as janelas se trancam quando ela grita por socorro, porque ela não quer que os filhos sejam assassinados, porque geraram uma dependência afetiva doentia com o agressor. Porque não sabem e não podem. Ser mulher não é fácil, porque ser cidadã é algo que lhe é negado.

Se você pensa que estou exagerando, dramatizando, querendo transformar os homens em monstros, estão enganados. Os homens não são inimigos, não são mais nem menos capazes. Estamos falando de uma situação em que pessoas estão perdendo direitos, vida e identidade por meio de uma violência institucionalizada contra um gênero - o feminino. A estuprada tem vergonha de denunciar a agressão que sofreu. Isso é uma sociedade sadia? A mulher disfarça os hematomas para não se sentir envergonhada e julgada. Isso é sadio? As mocinhas da novela tem seus personagens todo roteirizados em função de um príncipe. Isso é sadio? Você olhando por cima dos ombros para as pessoas que passam por essas situações. Você é normal?

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